sábado, 21 de maio de 2016

 

A MEMÓRIA DE UM PASSADO RECENTE:


Estávamos na época da libertação dos pescadores da exploração pelas empresas de pesca privadas.

Floresciam as cooperativas que prometeram o bem-estar e o progresso da actividade da pesca, agora gerida por gente que sabia da arte e que prescindia das grandes remunerações que constituíam, no passado, o jugo da classe piscatória.

Os nomes atribuídos às novas empresas, Fruto da Liberdade, Unidos Venceremos, Fruto de Abril, Luta dos Pescadores, Portugal Livre, etc., assim atestavam o futuro risonho da actividade e das pessoas que nela laboravam.

No banco onde trabalhei, que não chegou a ser Banco do Povo como alguns outros, apareceram, certo dia, 4 trabalhadores libertados a reclamar a entrega imediata de um financiamento que já tinha sido aprovado, ao que me limitei a responder que não tinha qualquer notícia sobre o assunto.

A situação foi-se prolongando até que, uns bons dias depois, fui surpreendido pelo telefonema de uma senhora doutora, cujo nome não recordo, mas que já era conhecida no meio piscatório, a interpelar-me acerca do motivo porque o financiamento em causa não estava concretizado. Respondi que desconhecia o que se passava e solicitei-lhe que me informasse a que departamento do banco pertencia, dado que a minha Direcção Comercial não me havia dado qualquer instrução sobre o assunto. A senhora respondeu-me que era um dos responsáveis pela Secretaria de Estado das Pescas.

Era esta a forma como os assuntos do crédito se resolviam.

Chegada que foi a ordem de efectuação do financiamento, lá fui ao notário local efectuar a escritura do contrato, isto é, colocar nas mãos daqueles 4 indivíduos a verba de sete mil e quinhentos contos.

Passados que foram cerca de dois anos voltaram a aparecer os mesmos quatro investidores a entregar-me as chaves da embarcação.

Não aceitei a situação proposta e, porque entretanto os meus interlocutores já estavam a voltar as costas, as chaves que haviam deixado sobre o balcão, chegaram à rua primeiro que os ditos.

Enfim, esta situação serve apenas para mostrar uma das muitas oportunidades que foram dadas a pessoas incapazes de as aproveitar e cujo resultado foi, sistematicamente, o mesmo.

Não causou, por isso, grande admiração, que todo o grupo cooperativista acabasse da forma que acabou, afinal os salvadores da pátria não tinham a capacidade que apregoavam aos quatro ventos, isto apesar de haverem conseguido fazer aprovar uma lei, altamente democrática, que obrigava as empresas privadas a manterem o mesmo regime de matrícula, ou seja 24 tripulantes, enquanto as cooperativas eram autorizadas a laborar com 15.

O corolário disto tudo foi a venda de grande parte das embarcações para Angola.

Então, os pescadores em nome de quem e para seu bem todo este movimento foi implantado, tiveram a desdita de serem, eles próprios, a irem entregar em Angola, aquilo que lhes fora prometido como o renascimento de suas vidas na pesca, a sua “Galinha dos Ovos de Ouro”.

Tudo isto seria de menor importância se, com todo este drama, não tivesse desaparecido a maior parte da principal actividade da minha terra.

Comecei este escrito com o título “A memória de um passado recente”, porém, será bom que façamos o possível por esquecer, tão rápido quanto possível, esta tragédia que tanto tem custado à minha terra, e será bom que se renasça das cinzas, ou melhor, que destas cinzas nem sequer a memória reste.

Etiquetas:


Comentários:

Enviar um comentário

Este blogue não responde a comentários anónimos e apenas responde a perguntas dos comentadores.

Subscrever Enviar feedback [Atom]





<< Página inicial

This page is powered by Blogger. Isn't yours?

Subscrever Mensagens [Atom]